quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Estratégias de leitura e produção de textos

Uma das preocupações do professor de língua materna é desenvolver em seus alunos competências de leitura e escrita de textos. Obviamente não se tem aqui a pretensão do ineditismo, pois, como se sabe, inúmeras práticas de leitura e escrita estão disponíveis, tanto na cultura escolar, quanto fora dela. O que se quer é exercitar essas práticas explorando a linguagem em suas diversas possibilidades de expressão e contribuir com o desenvolvimento destes objetivos básicos da formação da cidadania: saber ler e escrever. Hoje o espaço virtual, embora ainda de uso bastante restrito nas escolas, é considerado como uma necessidade requerida tanto pela aprendizagem, quanto pelo ensino. Pois, além de ser um espaço facilitador para a livre expressão e compartilhamento de ideias, promove a interação à distância. Nesse sentido, as atividades propostas de leitura e escrita de textos destacarão, sem maiores pretensões, não apenas a exploração da linguagem mais voltada para a literatura, mas também aquela presente nos mais variados gêneros textuais que circulam em nossa sociedade. Por isso mesmo, a preocupação com a nossa língua portuguesa será pautada pela reflexão sobre o uso das variedades linguísticas em seus diferentes contextos. Essa tem sido uma estratégia bastante produtiva na medida em que propõe ao falante refletir e agir frente a diferentes níveis e variedades da língua.
Ao trabalhar o texto narrativo, além da leitura compartilhada e exercícios de interpretação oral e escrita, um procedimento bastante proveitoso é a construção de imagens a partir de determinada narrativa, ou de histórias a partir de determinada imagem. Essa transposição de linguagens, além de tornar lúdica a atividade de leitura e escrita de textos, promove a discussão e a reflexão sobre as possíveis representações linguísticas e/ou imagéticas, tendo por base apenas um ponto para observação. Esta parece ser uma chave importante para a atividade, pois destaca em seu conjunto um dos principais componentes da produção textual: a coerência. Afinal, embora o processo criativo passe pela livre associação de idéias, há um norte ou balizamento pré-estabelecido para a construção do texto, verbal ou não verbal. O grupo-classe ou os componentes de grupos menores ao participarem da atividade não deixam passar as discrepâncias, antes discutem, às vezes acaloradamente, as diferentes possibilidades, argumentando em defesa do ponto de vista comum. Por fim, cabe não descuidar, nesse processo, das etapas de sistematização dos conteúdos trabalhados, pois esta é que irá estruturar o conhecimento dos educandos.
As imagens postadas neste espaço foram suscitadas e produzidas por alunos de quinta série a partir da leitura do texto “O rei dos cacos”, de Viviana de Assis Viana, lido pelos alunos no livro didático Português: linguagens, 5ª série, 4ª ed. São Paulo, Atual, 2006, p.86-7, organizado por Willian R. Cereja e Thereza C. Magalhães. Para esta atividade, foi proposto aos alunos que fizessem a leitura do texto e seguissem três orientações: a) leia atentamente o texto e anote em seu caderno trechos que indiquem passagem de tempo; b) transcreva trechos curtos que ilustrem pelo menos três ações praticadas pelas personagens e c) tente representar pelo menos três dessas ações, observando a sequência da narrativa, em forma de desenho, como se estivesse fazendo uma tira de jornal, ou uma história em quadrinhos.

Produção 01

Nesse desenho, podemos observar uma síntese bastante interessante, cujas imagens compactam momentos importantes da narrativa selecionados pelo leitor. Nota-se que, embora prevaleça a economia das ações, possivelmente motivada pela consigna, o desenho põe em destaque as ações da personagem feminina. O último quadrinho tenta representar habilmente a continuidade das ações sugeridas no texto original, a partir da imagem do sono e sua consequente extensão no sonho. Tudo isso motivado pelo texto escrito a partir da expressão adverbial “no dia seguinte” e o substantivo “sonho”, que, no contexto da narrativa, não está associado a sono, mas à realização de um desejo, isto é, encontrar o “rei dos cacos”.

Produção 02

Este desenho, como o primeiro, também destaca a personagem feminina. Entretanto, a diferença no modo de representar as mesmas cenas presentes naquele acaba por evidenciar o protagonismo da personagem. Parece pouco, mas o primeiro e o último quadrinhos não deixam dúvidas sobre esse olhar que aponta ou marca uma diferença interpretativa.

Produção 03

Neste último desenho as imagens sugerem a preocupação em representar um maior número de seqüências, explorando os diferentes aspectos do espaço em que se movem os dois personagens. Note-se que em todos os quadrinhos os dois personagens estão sempre presentes, compartilhando as mesmas aventuras. Ao final, está representada a continuidade das ações sugerida no texto. Aqui, também o sono e seu correlato, o sonho, é a solução encontrada para representar não só as ações da vigília, mas igualmente o desejo dos personagens de encontrar “O rei dos cacos”, representado simbolicamente pela coroa. Isto é bastante interessante não só pela economia significativa conseguida, mas também por indiciar uma história de leitura.


Comparando as três produções, fica evidente o realce dado à personagem feminina, em dois deles, enquanto que o outro enfatiza mais o compartilhamento das ações pelos dois personagens. Entre as várias possibilidades de interpretação, para esta possível ambiguidade sugerida pelos desenhos, a mais confiável deverá se apoiar na própria linguagem com que a narrativa foi construída. Afinal, a escolha de um ou outro ponto de vista mostrado pelos desenhos foi construída a partir do texto original.

A reflexão que proponho ao leitor é justamente tentar uma explicação coerente para essa diferença, já que o texto de partida foi o mesmo. Ler novamente o texto é indispensável, observar as marcas linguísticas é a principal pista. Está aí uma boa oportunidade para perceber como os “seres de papel”, os personagens, são construídos com a linguagem e, por meio dela, dialogam conosco.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Leitura e aprendizagem

A leitura é também uma forma de aprendizagem de vida. Em geral, as pessoas não se dão conta dessa importante atividade em seu dia-a-dia. Apesar disso, leem a todo instante, desde a roupa que escolhem para sair diariamente, até a volta para casa. Consciente ou inconscientemente, várias leituras são realizadas nesse espaço de tempo. Em nossas relações sociais cotidianas, do trabalho ao lazer, estamos em contato com os mais diferentes tipos de textos e os lemos com as mais diferentes finalidades: um jornal, um livro, um romance, um poema, uma carta, um bilhete de um amigo, ou até uma receita para um saboroso chá de jasmim. Num sentido amplo de leitura arriscaria dizer que o próprio mundo, ou talvez o universo que habitamos, é o maior texto que jamais conseguiremos ler cabalmente.
Didaticamente, pode-se fazer um recorte no universo textual e distinguir os textos não-literários – cujo objetivo é informar sobre os fatos cotidianos, científicos – dos textos literários, aqueles que transcendem o mundo em que vivemos concretamente. Mas em todo texto está presente a intenção ou propósito da mensagem, assim num texto jornalístico ou científico o objetivo é informar, já em um romance, uma novela, um poema, o objetivo principal é emocionar o leitor. Um bom exemplo para contrastar essas noções é um caso ocorrido já há alguns anos com o escritor Mário Prata. O autor constatou, surpreso, que seu livro, Será o Benedito?, estava na lista dos livros considerados não-ficção e teve que pedir ao jornal para incluí-lo na lista dos livros de ficção. Desse modo, ao lermos uma notícia de jornal, ficamos sabendo o que se passa na cidade em que moramos, no Estado, no país, ou em outros continentes. Mais do que isso, a informação sobre a falta de água em nosso bairro, o aumento de preço do combustível, as mudanças na política econômica, educacional, são fatos que podem nos afetar direta ou indiretamente. Além do mais, as notícias veiculadas diariamente também promovem a reflexão sobre os acontecimentos relatados e também sobre as diversas situações ou ambientes de onde foram recolhidas, suscitando a discussão, o debate, a tomada de posição dos leitores, dinamizando o exercício da cidadania.
Os textos literários, nesse sentido, não ficam atrás dos textos não-literários. Apesar de o objetivo ser outro, as informações contidas nesse tipo de texto também propiciam a reflexão, a discussão e a tomada de posição dos leitores. Quantas emoções não experimentamos com os “seres de papel” que habitam os textos narrativos – como diria Roland Barthes. Afinal, ao lermos um texto de Machado de Assis, por exemplo, entramos em contato com a história que nos é relatada, o modo de vida, as características físicas e psicológicas das personagens, o ambiente sócio-cultural onde se movimentam. Esses aspectos constantes em uma obra de ficção nos fazem entrar em contato com outro mundo, um mundo imaginado pelo autor, mas é um mundo que está muito próximo da nossa realidade. O fio condutor – a língua – é o que nos permite transitar desta para aquela realidade, por isso ao lermos um texto, temos a oportunidade de acompanhar o trabalho lingüístico empreendido pelo autor, experimentando também o seu estilo, ou o seu modo característico de lidar com a linguagem, ao construir sua narrativa. Experienciar essa outra realidade possível é o que nos oferece o prazer da literatura e por meio dessa vivência estética nos enriquecemos interiormente.
Assim, ao fazermos a leitura de um texto, mesmo que esta seja por vezes considerada um ato solitário, nunca estamos sozinhos, sempre estamos trocando experiências de vida com alguém. Nessa relação que se estabelece entre os interlocutores, o autor e seus possíveis leitores, ultrapassamos o simples ato de codificar e decodificar mensagens, interagimos com o outro construindo uma relação de aprendizagem.